PODER DO MP PARA OFERECER ANPP NÃO É ABSOLUTO E DEVE SER OBJETO DE CONTROLE JUDICIAL, DECIDE TJSP

A 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ("TJSP") decidiu que o poder do Ministério Público para o oferecimento ou não do Acordo de não Persecução Penal ("ANPP") não é absoluto. Quando o não oferecimento se dá de maneira arbitrária em contradição com as disposições legais, deve ser objeto de controle judicial.

No caso concreto, um homem, sem condenações anteriores, foi preso em flagrante com drogas fracionadas, ocasião em que informou aos policiais que a droga seria destinada para comercialização. Uma vez finalizada a investigação, o investigado foi denunciado pelo crime de tráfico de drogas. Após a apresentação de resposta à acusação, o Ministério Público foi questionado pelo juiz da causa a respeito da razão de não ter oferecido o ANPP, para evitar a persecução penal.

Em sua resposta, o Ministério Público afirmou que o oferecimento do ANPP é uma prerrogativa do órgão, que o acusado não havia confessado o crime – um dos requisitos legais para o oferecimento – e que o ANPP seria insuficiente para fins de reprovação e prevenção da conduta. Ato contínuo, o juiz da causa entendeu que as alegações do Ministério Público contrariaram as disposições legais para o oferecimento do ANPP, de modo a não haver interesse de agir na propositura da ação penal, e recusou o recebimento da denúncia.

Irresignado, o Ministério Público interpôs Recurso em Sentido Estrito perante o TJSP, o qual foi admitido, mas improvido. Em seu voto, o Desembargador-Relator, Marcos Zilli, sustentou que o ANPP, assim como a transação penal e a suspensão condicional do processo, é um instituto que visa não apenas à despenalização e à possibilidade de a justiça se dedicar a crimes mais graves, mas, também, evita a estigmatização decorrente do processo e da afirmação da culpa do acusado. Portanto, os institutos negociais, como o ANPP, não refletem uma política de processo, mas, sim, uma política criminal.

Nesse cenário, Zilli defendeu que a utilização da justiça consensual não é uma opção fundada em uma prerrogativa absoluta das partes, e sim um antecedente lógico e necessário da justiça penal. Dessa forma, cumpridos os requisitos indicados pela lei, a observância da etapa consensual – isto é, do oferecimento do acordo – é obrigatória e a recusa injustificada ao uso dos meios consensuais despenalizadores e não estigmatizantes deve ser alvo de controle judicial.

No caso concreto, o Relator observou que o acusado era réu primário, que havia confessado a prática do crime para os policiais quando preso em flagrante e que não havia indícios de envolvimento em organizações criminosas, de modo a cumprir com todos os requisitos legais para a propositura do ANPP. Destarte, a não propositura injustificada e arbitrária do ANPP pelo Ministério Público justificaria a manutenção da rejeição da denúncia pelo juiz da causa. Os demais desembargadores da Câmara acompanharam o voto do Relator.

A decisão do TJSP se mostra relevante, pois não apenas fundamenta a necessidade de controle de eventual arbítrio do Ministério Público na propositura do ANPP, como também deixa clara a razão de ser obrigatória a propositura de soluções consensuais, se verificados os requisitos legais, antes da instauração de qualquer processo criminal. Espera-se que as demais Câmaras Criminais do TJSP passem a adotar o entendimento firmado e que os demais tribunais brasileiros sejam influenciados pelos precisos argumentos lançados no julgamento do caso em comento.

TJSP DETERMINOU A REVOGAÇÃO DE BLOQUEIO DA TOTALIDADE DO PATRIMÔNIO DE INVESTIGADO

A 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ("TJSP") determinou o desbloqueio da totalidade dos bens de um homem investigado pelos crimes de usura – isto é, a cobrança de juros, comissões ou descontos superiores aos limites legais –, previsto no artigo 4º da Lei nº 1.521/51 – conhecida como "Lei de Crimes contra a Economia Popular" – e lavagem de dinheiro, previsto no artigo 1º da Lei nº 9.613/98.

No caso concreto, o investigado era alvo há mais de 04 anos de um Procedimento Investigatório Criminal ("PIC") instaurado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo ("MPSP"). Além disso, há pelo menos 02 anos todos os bens do investigado, de sua esposa e de suas empresas estavam bloqueados por requisição do MPSP. No entanto, desde a decretação dos bloqueios de bens, não houve praticamente qualquer andamento relevante no PIC que resultasse em denúncia ou arquivamento do feito.

Diante da situação, a defesa do investigado impetrou Habeas Corpus perante o TJSP no qual se requereu o arquivamento do PIC por excesso de prazo da investigação ou o levantamento da constrição patrimonial, também em razão do excesso de prazo.

O TJSP concedeu parcialmente o Habeas Corpus, para determinar o desbloqueio da totalidade do patrimônio. Em seu voto, que conduziu a solução final para o caso, o Desembargador William Campos sustentou que o bloqueio da totalidade dos bens patrimoniais e valores do investigado se mostra ilegal, uma vez que o MPSP não procurou fixar um efetivo valor do eventual prejuízo causado pelo investigado.

Ademais, o Desembargador salientou que tem se observado que o MPSP tem o costume de requerer o bloqueio total do patrimônio de investigados e de suas empresas, de modo a causar a quebra de muitas pessoas jurídicas pelo simples fato de não se buscar fixar o montante devido. Outrossim, o magistrado afirmou que o investigado e sua família precisam sobreviver e que, no caso concreto, havia espaço no patrimônio do investigado para separar o valor de eventual perdimento ou reparação dos danos de um valor destinado ao sustento próprio e familiar.

A decisão do TJSP é de extrema importância, uma vez que estabelece limites ao MPSP para o requerimento da decretação do bloqueio de bens de investigados. Resta saber se as demais Câmaras de Direito Criminal do TJSP irão adotar o mesmo posicionamento ou se respaldarão eventuais abusos cometidos pelo MPSP.

INTERROGATÓRIO DO RÉU DEVE SER ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO DO PROCESSO PENAL, DECIDE STF

O Ministro do Supremo Tribunal Federal ("STF") Nunes Marques determinou que o interrogatório do acusado deve ser o último ato da instrução criminal, antes da apresentação das alegações finais e do proferimento da sentença. No caso concreto, um homem estava sendo processado pelo crime de tráfico de drogas. No entanto, o seu interrogatório foi realizado antes da oitiva das testemunhas, como determina o artigo 57 da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas) e, em sequência, houve condenação.

Após ter recurso improvido em segunda instância e liminar em Habeas Corpus indeferida no Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), a defesa do acusado impetrou novo Habeas Corpus perante o STF, alegando que a inversão da ordem do interrogatória do acusado causou prejuízo à defesa. Assim, requereu-se a declaração da nulidade da sentença e do acórdão condenatórios.

No julgamento do Habeas Corpus, o Ministro Nunes Marques sustentou que o legislador dispôs na Constitucional Federal de 1988 o dever de preservação do contraditório e da ampla defesa enquanto princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito e como valores supremos da Justiça. Dessa forma, no caso concreto, mencionados princípios somente estariam preservados com a manutenção do interrogatório como último ato da instrução do processo.

Além disso, Nunes Marques sustentou que o STF, em ocasiões passadas, fixou entendimento de que o interrogatório deve ser o último ato da instrução criminal, conforme previsão do artigo 400 do Código de Processo Penal, inclusive para os procedimentos penais regidos pela legislação especial que preveem, de alguma forma, a inversão dessa ordem, como é o caso da Lei de Drogas (HCs nº 127.900, 166.376, 132.078 e 128.894).

Diante disso, o Ministro concedeu o Habeas Corpus de ofício para declarar a nulidade do acórdão e da sentença condenatórios e determinou a realização de nova audiência de instrução e julgamento com a efetivação do interrogatório do acusado como último ato da instrução processual.

A decisão do Ministro reafirma a necessidade de respeito e observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa na realização do interrogatório de acusados. É no momento de seu interrogatório que o acusado pode se manifestar a respeito de todas as provas produzidas ao longo do processo, inclusive aquelas decorrentes das oitivas de testemunhas.

PERMITIR A UTILIZAÇÃO DA CAPTAÇÃO AMBIENTAL SOMENTE PARA A DEFESA É INCONSTITUCIONAL, OPINA PGR

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, manifestou-se pela inconstitucionalidade da permissão da utilização da captação ambiental feita por um dos interlocutores apenas para fins de defesa no processo penal. No caso concreto, o partido político Rede Sustentabilidade propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.816/DF ("ADIN nº 6.816") no Supremo Tribunal Federal ("STF"), na qual requereu a declaração da inconstitucionalidade de parte do § 4º, do artigo 8º da Lei nº 9.296/96 (Lei de Interceptação Telefônica) que permite a captação ambiental somente para utilização da defesa.

Segundo a previsão legal, "[a] captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação".

De acordo com a legislação, a captação ambiental realizada por um dos participantes do diálogo, sem o conhecimento dos demais, somente será admitida no processo em matéria de defesa. Assim, segundo a lei, a captação não pode ser admitida se utilizada para fins de acusação.

Segundo o parecer do PGR, a licitude da prova e sua consequente admissibilidade no processo não pode depender da parte que a produz. Argumentando que a utilização de técnicas especiais de investigação (como a captação ambiental) tem se mostrado aptas a proteger vítimas e testemunhas, principalmente, em casos de estupros, maus-tratos e até mesmo violência doméstica e familiar, a PGR ressaltou que a permissão legal de utilização da captação ambiental somente pela defesa se mostra (a) incompatível com o princípio da igualdade, (b) inviabiliza a paridade de armas no contexto do processo penal e (c) tem o potencial de gerar a impunidade de ofensores.

A manifestação do PGR deve ser encarada com cuidado. Se por um lado a utilização de captação ambiental pode ser considerada de grande valia para casos de difícil solução como violência doméstica e delitos econômicos praticados no âmbito empresarial, a permissão da realização e da utilização da captação ambiental também pela acusação poderá contribuir para abusos contra direitos fundamentais, como o caso do direito ao silêncio ou da não autoincriminação, já que a pessoa gravada não será alertada de seus direitos fundamentais durante a produção da prova, o que seria igualmente inconstitucional.

Agora, resta apenas saber quando e o que o STF decidirá sobre a questão.

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