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Lei nº 14.300/2022: Marco Legal da Geração Distribuída

Na última sexta-feira (07/01), foi publicada a Lei nº 14.300, de 6 de janeiro de 2022 ("Lei nº 14.300/2022"), que institui o marco legal da microgeração e minigeração distribuída, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica ("SCEE") e o Programa de Energia Renovável Social ("PERS"). A publicação ocorreu após a sanção presidencial do Projeto de Lei nº 5.829/2019 ("PL nº 5.829/2019").

A Lei nº 14.300/2022 introduz regras mais detalhadas aplicáveis ao mercado de geração distribuída ("GD"), o qual é atualmente regulado pela Resolução Normativa nº 482/2012 ("REN 482") da Agência Nacional de Energia Elétrica ("ANEEL").

Ressalta-se que, em paralelo, a REN 482 está sendo aprimorada pela ANEEL e a minuta da nova resolução será examinada pela Diretoria Colegiada em Reunião Pública no 2º semestre de 2022, conforme previsto na Agenda Regulatória 2022-2023 da autarquia.

As principais disposições da Lei nº 14.300/2022 são as seguintes:

  • Limites da potência instalada da minigeração distribuída: Foram estabelecidos limites de potência instalada distintos para minigeração distribuída com fontes despacháveis (conceito explicado no próximo item) e não despacháveis. De forma específica, mini GD com fontes despacháveis devem ter potência instalada maior que 75 kW ou menor ou igual a 5 MW; com fontes não despacháveis, por seu turno, devem ter a mesma potência mínima citada acima, mas não podem ultrapassar 3 MW (vide Art. 1º, IX e XIII).

    Além disso, continuou vedada a divisão da central geradora em unidades menores para seu enquadramento como micro ou minigeração distribuída (vide Art. 11, § 2º). Como a Lei trata do tema de forma ampla, vale pontuar que a Resolução Normativa nº 1.000/2021 prevê que, caso o consumidor não realize a readequação da instalação solicitada pela distribuidora que detectou o vício, sua adesão ao SCEE será indeferida
  • Fontes despacháveis: São consideradas fontes despacháveis a hidrelétrica, cogeração qualificada, biomassa, biogás e fotovoltaica, com baterias com capacidade de armazenamento de, no mínimo, 20% da capacidade de geração mensal da central geradora que possam ser despachadas local ou remotamente (vide Art. 1º, IX).
  • Novos institutos jurídicos de reunião de consumidores na geração compartilhada: A Lei inovou ao convencionar que, além dos consórcios e cooperativas já consagrados na REN 482, poderá haver também a reunião de consumidores por meio de condomínio civil voluntário e edilício (Arts. 1.314 e 1.331 do Código Civil) ou qualquer espécie de associação civil, composta por pessoas físicas ou jurídicas, desde que sejam instituídas especificamente para geração compartilhada e que todas suas unidades consumidoras sejam atendidas pela mesma distribuidora (vide Art. 1º, X). Desta maneira, seguindo decisões recentes da Procuradoria da ANEEL, passa-se a prestigiar mais a finalidade da reunião dos consumidores, do que a forma jurídica, garantindo-lhes maior liberdade para eleição do modelo que melhor se adeque às suas necessidades.
  • Direito adquirido e período de transição: Um dos pontos centrais da Lei, debatido intensamente desde a tramitação do PL nº 5.289/2019, é o direito adquirido – sobretudo das unidades consumidoras já participantes do SCEE – e os períodos de transição da Lei.

    As regras atualmente vigentes da REN 482 seguirão aplicáveis até o final de 2045 às unidades consumidoras com GD (i) existentes na data de publicação da Lei, ou (ii) que protocolem solicitação de acesso na distribuidora em até 12 meses contados da referida data (vide Art. 26, I e II). O faturamento destas unidades se dará pela incidência das componentes tarifárias somente na diferença positiva entre a energia consumida e a soma da energia injetada no mês (vide Art. 26, § 1º).

    A Lei também dispõe que, após 12 meses da sua publicação, determinadas hipóteses fazem com que o período de transição acima não seja mais aplicado ao consumidor, a saber, (i) encerramento da relação contratual com a distribuidora, salvo no caso de troca de titularidade; (ii) ocorrência de irregularidade no sistema de medição atribuível ao consumidor; ou (iii) na parcela de aumento da potência instalada, cuja solicitação de aumento ocorra 12 meses após a data de publicação da Lei (vide Art. 26, § 2º).

    Os consumidores que protocolarem solicitação de acesso após 12 meses da publicação da Lei terão direito a um período de transição de 6 anos, no qual gradualmente incidirá sobre a energia ativa compensada certos percentuais das componentes tarifárias (relativas à remuneração dos ativos do serviço de distribuição, à quota de reintegração regulatória dos ativos de distribuição e ao custo de operação e manutenção do serviço de distribuição – TUSD Fio B): (i) 15% em 2023; (ii) 30% em 2024; (iii) 45% em 2025; (iv) 60% em 2026; (v) 75% em 2027; (vi) 90% em 2028; e (vii) 100% em 2029 (vide Art. 27, caput). Ressalta-se que os consumidores que protocolarem solicitação de acesso entre o 13º e 18º mês contados da publicação da Lei terão tratamento diferenciado, segundo o qual o novo regime tarifário da Lei será aplicável somente no início de 2031, ou seja, com período de transição de 8 anos (vide Art. 27, § 2º).

    Ademais, até o ano de 2028, para mini GD acima de 0,5 MW com fonte despachável nas modalidades autoconsumo remoto ou geração compartilhada, cujo único titular detenha 25% ou mais da participação do excedente, ocorrerá o faturamento com a incidência de: (i) 100% das componentes tarifárias descritas acima; (ii) 40% das componentes tarifárias relativas ao uso dos sistemas de transmissão – TUSD Fio A – e dos transformadores de potência com tensão inferior a 230 kV da Rede Básica, das Demais Instalações de Transmissão – DIT compartilhadas, ao uso dos sistemas de distribuição de outras distribuidoras e à conexão às instalações de transmissão ou distribuição; e (iii) 100% dos encargos Pesquisa e Desenvolvimento – P&D, Eficiência Energética – PEE e Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica – TFSEE (vide Art. 27, § 1º).
  • Novo regime tarifário das unidades consumidoras participantes do SCEE: Concluído o período de transição, as unidades consumidoras participantes do SCEE serão faturadas pela incidência, sobre a energia elétrica ativa consumida da rede de distribuição e sobre o uso ou demanda, das componentes tarifárias não associadas ao custo da energia elétrica e todos os benefícios ao sistema elétrico propiciados pelos sistemas de GD serão abatidos (vide Art. 17, caput e § 1º).
  • Apresentação da garantia de fiel cumprimento: Os interessados em instalar novos sistemas de minigeração distribuída deverão apresentar garantia de fiel cumprimento, com vigência de até 30 dias após a conexão ao sistema de distribuição, nos seguintes montantes: (i) 2,5% do investimento para mini GD com potência instalada maior que 0,5 MW e menor que 1 MW; e (ii) 5% do investimento para mini GD com potência instalada maior ou igual a 1 MW. A obrigação em comento, porém, não se aplica à geração compartilhada com formação de consórcio/cooperativa e às múltiplas unidades consumidoras (vide Art. 4º, I e II e §§ 1º e 7º). Para os projetos com parecer de acesso válido e potência instalada superior a 0,5 MW, deverá (i) ser aportada garantia de fiel cumprimento em até 90 dias contados da publicação da Lei; ou (ii) ser firmado contrato com a distribuidora no referido prazo, sob pena de cancelamento do parecer de acesso (vide Art. 4º, §§ 2º ao 4º).
  • Impossibilidade de comercializar parecer de acesso e transferir titularidade da unidade consumidora: A Lei veda expressamente (i) a comercialização de pareceres de acesso; e (ii) a transferência da titularidade ou do controle societário do titular da unidade consumidora com GD indicado no parecer de acesso antes da solicitação de vistoria do ponto de conexão para a distribuidora. Desta forma, é possível a transferência da titularidade após a solicitação de vistoria, que ocorre após a conclusão da construção e instalação da GD, sendo destinados os créditos de energia elétrica à unidade consumidora a partir do 1º ciclo de faturamento subsequente à transferência (vide Arts. 5º e 6º).
  • Exposição contratual involuntária das distribuidoras: A sobrecontratação de energia elétrica das distribuidoras, em razão da adesão dos consumidores com sistemas de GD ao SCEE, será considerada como exposição contratual involuntária, definida como o não atendimento à totalidade do mercado de energia das distribuidoras (vide Art. 21).
  • Contratação de serviços ancilares de geração distribuída: As distribuidoras poderão contratar a prestação de serviços ancilares por parte dos micro e minigeradores distribuídos, de fontes despacháveis ou não, os quais serão remunerados segundo regulamentação da ANEEL. Em linhas gerais, os serviços ancilares garantem o melhor funcionamento do sistema elétrico. Consoante a Lei, tais serviços visam a melhorar a eficiência e capacidade, reduzir os investimentos pelas distribuidoras e o acionamento termelétrico nos sistemas isolados (vide Art. 23).
  • Não incidência das bandeiras tarifárias sobre os excedentes: As bandeiras tarifárias, que exercem a função de indicadores dos custos atuais de geração ao consumidor por meio da tarifa, incidirão apenas sobre o consumo de energia elétrica ativa a ser faturado, e não sobre a energia excedente que foi compensada (vide Art. 19). Desta feita, o SCEE acaba se blindando em face dos oscilantes custos de geração de energia, sobretudo em contextos de crise hídrica/ abastecimento e o consequente acionamento de usinas mais caras – como as termelétricas –, o que torna a geração distribuída ainda mais atrativa.
  • Chamadas públicas de comercialização de excedentes: A Lei também inovou ao prever que as distribuidoras poderão realizar chamadas públicas com vistas ao credenciamento de interessados em comercializar, nas suas áreas de concessão, os excedentes de energia elétrica oriundos dos sistemas de GD para a posterior compra de tais excedentes (vide Art. 24).
  • Custo de disponibilidade: Para consumidores que protocolarem a solicitação de acesso após 12 meses, contados da publicação da Lei, o custo de disponibilidade (valor mínimo faturável) será pago caso o consumo seja inferior ao consumo mínimo faturável determinado pela ANEEL. Para consumidores do grupo B com micro GD local de até 1,2 kW de potência instalada, será reduzido até 50% o custo de disponibilidade aplicável aos demais consumidores equivalentes (vide Art. 16, §§ 1º e 2º).
  • Grupo B optante: As unidades consumidoras do Grupo A com GD local, cuja potência nominal dos transformadores seja igual ou inferior a 1,5 do limite permitido para ligação de consumidores do Grupo B, poderão optar por faturamento idêntico às unidades conectadas em baixa tensão (vide Art. 11, § 1º).
  • Instalações de iluminação pública no SCEE: A rede pública municipal de iluminação poderá ser participante do SCEE, sendo considerada uma unidade consumidora com micro ou minigeração distribuída caso atenda aos requisitos regulamentares da ANEEL (vide Art. 20).
  • Definição de diretrizes, custos e benefícios da geração distribuída: Em até 6 meses após a publicação da Lei, o Conselho Nacional de Política Energética – CNPE deverá estabelecer diretrizes para valoração dos custos e benefícios da geração distribuída, considerando os benefícios locacionais da GD ao sistema elétrico e as componentes de geração, perdas elétricas, transmissão e distribuição. Neste contexto, a ANEEL deverá estabelecer os cálculos da valoração dos benefícios (vide Art. 17, § 2º).
  • Criação do Programa de Energia Renovável Social: Visando à democratização do acesso às energias renováveis, a Lei instituiu o PERS, o qual promoverá investimentos na instalação de sistemas de fontes renováveis em benefício dos consumidores da subclasse residencial de baixa renda. Dentre outras previsões legais, destaca-se que o custeio do programa se dará por recursos vindos do Programa de Eficiência Energética – PEE, de recursos complementares ou de parcela de outras receitas das distribuidoras. A operacionalização do PERS se dará pela apresentação de plano de trabalho ao Ministério de Minas e Energia – MME e realização pelas distribuidoras de (i) chamadas públicas para credenciar empresas, e (ii) chamadas concorrenciais para contratar prestadores de serviços, a fim de implementar as instalações dos sistemas de fontes renováveis (vide Art. 36, caput e §§ 1º ao 3º).
  • Vetos presidenciais: O Governo Federal sancionou PL nº 5.829/2019 com dois vetos, quais sejam, (i) a classificação como micro ou minigerador das unidades flutuantes de geração fotovoltaica instaladas sobre lâminas d'água; e (ii) o enquadramento de projetos de minigeração distribuída no Regime Especial de Incentivos ao Desenvolvimento da Infraestrutura – Reidi. Referidos vetos ainda poderão ser rejeitados por voto da maioria absoluta em sessão conjunta do Congresso Nacional, que ocorrerá até 3 de março de 2022 (vide Art. 66, § 4º da Constituição Federal).

Por fim, a Lei entrará em vigor na data de sua publicação e, a fim de cumprir com as disposições legais, a ANEEL e as distribuidoras deverão adequar seus regulamentos, normas, procedimentos e seus processos no prazo de 180 dias, contados da referida data.

Após mais de dois anos de intensos debates ao longo da revisão da REN 482 e a tramitação do PL e de outros projetos de lei sobre GD, a Lei nº 14.300/2022 é resultado do trabalho colaborativo de diversos atores do cenário político nacional e foi muito aguardado pelas empresas e agentes do setor elétrico. Ela traz maior clareza, previsibilidade e segurança jurídica para o mercado de geração distribuída, representando uma importante inovação legislativa.

Para acessar ao texto integral da Lei nº 14.300/2022, clique aqui.

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