QUEM CONSTRÓI EM SOLO NÃO EDIFICÁVEL NÃO PODE SER PUNIDO TAMBÉM PELOS CRIMES DE DANO CAUSADO PELA CONSTRUÇÃO OU DE IMPEDIMENTO DA REGENERAÇÃO DA FLORA LOCAL, DECIDE STJ

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu que a pessoa que constrói em solo não edificável pode ser responsabilizada pelo crime previsto no artigo 64, da Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais). No entanto, não é possível a responsabilização, em razão do mesmo fato, pelos crimes de causar dano à área tampouco de impedir a regeneração da flora local, previstos, respectivamente, nos artigos 40 e 48 da Lei de Crimes Ambientais.

No caso concreto, uma pessoa foi condenada pelos crimes dos artigos 40 e 48 da Lei de Crimes Ambientais por ter construído, dentro de uma Estação Ecológica, edícula de alvenaria sem autorização da Administração Pública.

Todavia, em recurso de apelação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região ("TRF-4") entendeu que a conduta do agente não se enquadrava nos artigos 40 e 48 da Lei de Crimes Ambientais, mas no artigo 64 da mesma lei, que pune aquele que promove construção em solo não edificável sem a autorização da autoridade competente. De acordo com o TRF4, as condutas dos artigos 40 e 48 são, respectivamente, o pressuposto e a consequência do crime descrito no artigo 64.

Em vista do acórdão do TRF4, o Ministério Público Federal ("MPF") interpôs Recurso Especial perante o STJ, que decidiu que o impedimento da regeneração da flora do local (art. 48) é um mero pós-fato impunível da construção irregular em solo não edificável (art. 64), uma vez que o impedimento da regeneração é tido como um resultado lógico da construção irregular.

No que diz respeito ao crime do artigo 40, de causar dano à área, o STJ também argumentou que o agente dos fatos não poderia ser responsabilizado por esse delito, uma vez que referido dano integra a cadeia de causalidades do crime de edificação irregular (art. 64). Isto é, o dano é um meio para o fim que é a construção, devendo ser absorvido pelo crime do artigo 64, do mesmo modo que, por exemplo, o crime de falsidade documental é absorvido pelo crime de estelionato, portanto é não punível.

Por fim, a decisão do STJ é salutar, já que impõe regramentos para conflitos aparentes entre normas de Direito Penal, de modo a impedir aplicações de penas desarrazoadas por meio da atribuição de diversos crimes genéricos que necessariamente integram a verificação de um crime específico, do qual os cidadãos são acusados pelos órgãos de persecução.

MPF PODE TER ACESSO A MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS COMUNICADAS AO COAF, MEDIANTE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, AINDA QUE NÃO SEJAM OBJETO DE RIF, DECIDE STJ

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu que o Ministério Público pode ter acesso a movimentações financeiras comunicadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras ("COAF"), mediante prévia autorização judicial, ainda que tais movimentações financeiras não tenham sido objeto de Relatório de Informações Financeiras ("RIF"). O RIF é o instrumento utilizado pelo COAF para comunicar possíveis atos ilícitos às autoridades competentes para providências.

No caso concreto, o Ministério Público Federal ("MPF") recebeu denúncia anônima de um funcionário do Banco do Brasil a respeito de cliente que realizava saques frequentes de montantes que chegavam a R$ 300 mil. Com base na denúncia anônima, o MPF expediu ofício ao COAF questionando se os referidos saques haviam sido informados pela instituição financeira, com base nos deveres legais de informação contidos na Lei nº 9.613/98 e na Circular nº 3.461/2009, do Banco Central. Além disso, o MPF também questionou se o COAF enviou o RIF referente a tais operações para alguma autoridade.

Após resposta do COAF no sentido de ter recebido as informações sobre os saques e de não ter emitido qualquer RIF em razão da não identificação de qualquer indício de irregularidade nas operações, o MPF formulou pedido de quebra de sigilo financeiro à Justiça Federal de Jacareí/SP. No pedido, o MPF objetivou que o COAF fornecesse a relação das atividades financeiras comunicadas nos últimos 12 meses ao órgão pela agência do Banco do Brasil, com as respectivas informações de datas, nomes e qualificação das pessoas envolvidas.

O pedido foi indeferido, mesmo após pedido de reconsideração, sob o argumento de que não se vislumbrava a existência de elementos concretos que autorizassem o afastamento do sigilo financeiro dos envolvidos nas transações comunicadas ao COAF pela agência bancária. Irresignado, o MPF impetrou Mandado de Segurança no Tribunal Regional Federal da 3ª Região ("TRF-3"), que foi denegado sob o argumento de que o Banco do Brasil e o seu funcionário teriam o dever de sigilo das informações sobre as transações financeiras de seus clientes. Diante da decisão, o MPF interpôs Recurso Ordinário em Mandado de Segurança perante o STJ.

O Relator do caso, Ministro Schietti Cruz, sustentou que o envio de um RIF não é condição para que o Ministério Público possa investigar movimentações financeiras atípicas. Dessa forma, foi salientado que é imprescindível, no caso concreto, que o MPF, mediante prévia autorização judicial, obtenha acesso aos dados fornecidos ao COAF pelo Banco do Brasil para que possa exercer o seu juízo valorativo sobre a licitude das movimentações financeiras, ainda que possam vir a se mostrar como lícitas.

O Ministro também sustentou que, caso se entenda o contrário, a decisão do COAF de não encaminhar o RIF à autoridade investigativa competente acabaria por definir e limitar o âmbito de atuação do Ministério Público.

É importante destacar que, caso o COAF optasse por enviar as informações de ofício ao Ministério Público, tal situação não dependeria de prévia autorização judicial, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal ("STF") no julgamento do Tema 990, vinculado ao Recurso Extraordinário nº 1.055.941.

Por fim, ainda que a decisão do STJ não careça de razão, já que não caberia ao COAF delimitar o âmbito de atuação investigatória do Ministério Público, o entendimento de que o MPF pode investigar toda e qualquer movimentação financeira somente pelo fato de ser supostamente atípica pode ser uma intromissão penal ilegítima na vida dos cidadãos, que devem ser protegidos do arbítrio estatal no âmbito do Estado Democrático de Direito.

DIÁLOGOS OBTIDOS POR MEIO DE PRINTS DE WHATSAPP WEB SÃO CONSIDERADOS PROVAS ILÍCITAS, DECIDE STJ

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu que são ilícitos e, assim, inválidos coo prova no processo penal, prints de diálogos de WhatsApp Web. No caso concreto, uma pessoa foi denunciada pelo crime de corrupção ativa, prevista no artigo 333 do Código Penal. A notícia do fato chegou a conhecimento da autoridade policial por meio de denúncia anônima acompanhada de prints de mensagens de texto realizadas por meio do aplicativo "WhatsApp Web".

A partir da denúncia anônima e dos prints apresentados, a autoridade policial realizou diligências preliminares para a apuração dos fatos relatados, tais como a oitiva de testemunhas e a requisição de documentos a outro órgão público. Em sequência, com base nas referidas diligências, a autoridade policial instaurou inquérito policial e representou pela quebra do sigilo telefônico do investigado, o que foi deferido pela Justiça.

Com base nas provas colhidas no inquérito policial, o Ministério Público ofereceu denúncia. A defesa do réu apresentou resposta à acusação na qual, dentre outros argumentos, alegou ser nulo todo o inquérito policial, uma vez que todos os atos da investigação, inclusive a quebra de sigilo telefônico, foram embasados nos diálogos do WhatsApp Web sem a devida comprovação de autenticidade e do respeito à cadeia de custódia, isto é, do procedimento que garante que o documento não foi modificado ou editado indevidamente.

Apesar disso, o recebimento da denúncia foi mantido, o que levou a defesa do réu a impetrar ordem de Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de Pernambuco. Uma vez denegado o Habeas Corpus, a defesa interpôs Recurso em Habeas Corpus perante o STJ. Os Ministros da 6ª Turma entenderam que os diálogos de WhatsApp Web eram ilícitos, uma vez que, pelo aplicativo, é possível a manipulação dos diálogos por meio do envio e da posterior exclusão de mensagens dos participantes.

Segundo os Ministros, eventual manipulação nos diálogos não deixaria qualquer vestígio no aplicativo ou no computador utilizado, tampouco seria possível sua recuperação. A despeito disso, os Ministros entenderam que o inquérito policial não era ilegal, uma vez que, após a denúncia anônima, foram realizadas diligências preliminares antes da quebra de sigilo telefônico.

QUANDO HOUVER EMPATE NO JULGAMENTO PELO CARF, O FIM DO VOTO DE QUALIDADE EXTINGUE RETROATIVAMENTE A RESPONSABILIDADE PENAL POR CRIMES TRIBUTÁRIOS, DECIDE TJSP

Uma Juíza de Execuções Criminais de Mogi Mirim/SP decidiu que a extinção do voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ("CARF") gera retroativamente a extinção da responsabilidade penal por crimes tributários que envolvam prejuízo ao erário, quando houver empate no julgamento pelo CARF.

No caso concreto, após o CARF reconhecer a existência de crédito tributário, por meio de desempate pelo voto de qualidade, uma pessoa foi condenada, em 2017, a uma pena de 02 anos e 11 meses de reclusão, substituída por penas restritivas de direitos, pelo crime de sonegação fiscal, previsto no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90.

Após o esgotamento dos recursos defensivos, que ocorreu em 2020, e mantida a condenação, o processo foi encaminhado para o início da execução penal. Paralelamente, também em 2020, entrou em vigor a Lei nº 13.988/2020, que extinguiu o voto de qualidade do CARF, previsto no Decreto nº 70.235/72, bem como determinou que, em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, a questão será resolvida favoravelmente ao contribuinte.

Com base na nova lei, a defesa formulou pedido para o Juízo de Execuções Criminais no qual sustentou que, na época do julgamento do CARF, se estivesse em vigor a Lei nº 13.988/2020, o julgamento seria favorável ao contribuinte, que, nesse caso, não poderia ser processado ou responsabilizado criminalmente. Assim, foi sustentado que, como a referida lei de natureza tributária beneficia o réu na esfera criminal, tal benefício deveria retroagir para extinguir a sua responsabilização, com interpretação ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, o que foi deferido pela Juíza de Execuções Criminais de Mogi Mirim/SP.

A decisão é salutar, pois admite que lei de natureza diversa da criminal que venha a beneficiar o réu em um processo criminal também deve retroagir, em analogia ao que é expresso na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XL, e no Código Penal, em seu artigo 2º, parágrafo único. Ademais, referida decisão mostra-se pioneira e por certo estimulará maiores reflexões e discussões pelo Judiciário.

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