Aqui você vai encontrar:

– Exclusão do ICMS da base do PIS/COFINS

– Manifestações da Receita Federal do Brasil

– Posicionamento das autoridades após o julgamento dos embargos de declaração

PIS/COFINS sobre ICMS III: Posição do Fisco e próximos passos

Vimos nos dois últimos post os fundamentos da tese da exclusão do ICMS da base do PIS/COFINS e a sua evolução nos Tribunais, mais especificamente no Supremo Tribunal Federal

Para finalizar nossa minissérie de artigos sobre o tema, embora ele ainda possa ter muito a se falar, vamos tratar de como foi o posicionamento da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional durante esse percurso, mais especificamente a partir do julgamento de mérito do Tema de repercussão geral 69 em março de 2017 pelo STF.

Fomentando a incerteza e a insegurança

Como vimos no último post, em março de 2017 o STF julgou o RE 574.706 e fixou o tema 69 de repercussão geral, fixando a tese: "O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS".

Apesar de o mérito da discussão estar claramente resolvido, em outubro de 2017, quando o acórdão do julgamento de março foi publicado, a PGFN apresentou embargos de declaração, abordando diversos pontos do julgamento, dentre os quais, a questão sobre qual ICMS deveria ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS e a questão da modulação da decisão, para que ela passasse a ter efeitos apenas a partir do julgamento de tais embargos de declaração.

Esses embargos já trouxeram incertezas suficientes aos milhares de contribuintes que litigavam sobre o tema, principalmente porque em décadas de discussão, a questão sobre se discutir a quantificação do ICMS a ser excluído, isto é, se o ICMS destacado nas notas fiscais, ou se o ICMS efetivamente pago pelo contribuinte, nunca foi objeto de discussão.

O argumento da PGFN era o de que se a tese do STF seria a de que o ICMS não representa faturamento ou receita da empresa, pois ele é destinado para o Estado, então apenas seria possível excluir aquilo que foi pago ao Estado.

Esse raciocínio, além de inovar no processo, esquecia-se que o ICMS devido ao Estado é aquele indicado na nota fiscal (destacado), sendo certo que a possibilidade de abatimento de créditos da não-cumulatividade de tal imposto (apropriados na aquisição de insumos e produtos utilizados na produção ou prestação) não afasta tal fato. Aliás, todos os créditos são igualmente "pagos" pelos contribuintes, ao adquirir insumos e produtos, havendo a sistemática de compensação para prestigiar o princípio da não-cumulatividade.

O ICMS devido ao Estado, porém, é aquele destacado na nota fiscal e, tanto é assim, que caso haja problemas no crédito, o ICMS total é cobrado pelo Ente estadual.

O peso político do tema e as grandes quantias envolvidas, porém, acenderam um alerta aos contribuintes, trazendo grande insegurança ao mercado de forma geral.

Essa insegurança aumentou quando em 23/10/2018 foi publicada a Solução de Consulta Interna COSIT nº 13/2018, por meio da qual a Receita Federal do Brasil exarou seu entendimento sobre o cumprimento "das decisões judiciais transitadas em julgado que versem sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo" do PIS/COFINS.

Para a surpresa dos contribuintes, a RFB orientou seus órgãos no sentido de que "o montante a ser excluído da base de cálculo mensal da contribuição é o valor mensal do ICMS a recolher, conforme o entendimento majoritário firmado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR, pelo Supremo Tribunal Federal".

Chamou atenção a fundamentação adotada na solução de consulta, ao fazer referência ao acórdão do STF e à doutrina, que em verdade não fundamentavam as conclusões da solução. Aliás, ignoravam trechos relevantes do acórdão, que demonstravam que a decisão havia sido no sentido de excluir todo o ICMS e não apenas aquele efetivamente pago pelo contribuinte.

Ademais, se tal tema estava tão claro na decisão do STF, então os embargos de declaração apresentados pela PGFN, cujo cabimento é justamente a existência de uma omissão, contradição ou obscuridade na decisão judicial, não possuía fundamento.

Mais um alerta se acendeu para os contribuintes, com o receio de sofrerem fiscalizações e autuações, sem saber ainda qual seria a implementação prática dessa SCI no cotidiano fiscal.

Houve notícias de habilitações de crédito de contribuintes com trânsito em julgado que foram interrompidas para fiscalização do crédito, além de notícias de compensações indeferidas e cobrança de débitos com base em tal entendimento, mas tudo ainda de forma muito descentralizada.

Nos processos judiciais, em muitos casos a PGFN passou a apresentar manifestações pugnando pela limitação da decisão para apenas autorizar a exclusão do ICMS efetivamente pago, continuando a apresentar recursos e prolongar os processos.

De forma geral, pode-se dizer que os Tribunais, mesmo antes do julgamento dos embargos de declaração pelo STF, passaram a repelir tal argumento da Fazenda, inclusive em relação ao pedido de suspender os processos até que os embargos fossem julgados.

Muitas decisões, assim, passaram a mencionar expressamente o direito dos contribuintes de excluir o ICMS destacado nas notas fiscais da base do PIS/COFINS.

Outras decisões, porém, nos casos em que o tema acabou não sendo levantado pelas partes, previam apenas a exclusão do ICMS, de forma genérica, o que acabava por manter uma certa insegurança para muitos contribuintes e para o mercado.

O julgamento dos embargos de declaração e o posicionamento da PGFN

O alívio (ainda que não final) só veio com o julgamento dos embargos de declaração pelo STF em maio de 2021, quando então o STF fez constar expressa que o ICMS a ser excluído da base do PIS/COFINS é o destacado na nota fiscal, além de ter modulado os efeitos de sua decisão para que ela produzisse efeitos de 15/03/2017 em diante (data do julgamento do mérito do caso).

Com esse julgamento, esperava-se uma rápida resposta pela RFB, para fins de revogação ou anulação da SCI 13/2018, o que até hoje não ocorreu.

A resposta foi dada, porém, por outro órgão Federal, a PGFN, que editou inicialmente o Parecer SEI nº 7.698/2021, de 20/05/2021, no qual, de forma exemplar, colocava fim a um capítulo da novela, e finalmente acatava ao entendimento do STF sobre o assunto, inclusive sobre a exclusão do ICMS destacado.

O Parecer ainda orientava toda a administração federal para "que todos os procedimentos, rotinas e normativos relativos à cobrança do PIS e da COFINS a

partir do dia 16 de março de 2017 sejam ajustados, em relação a todos os contribuintes, considerando a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS destacado em notas fiscais na base de cálculo dos referidos tributos".

O documento também dispensava a constituição de créditos tributários contrários ao entendimento do STF, bem como que esse entendimento fosse aplicado aos pedidos de repetição de indébito administrativos, independentemente do ajuizamento de demandas judiciais.

Inconformismo

Pode-se dizer que nossas instituições ainda possuem uma curta história de existência e estão ainda em desenvolvimento.

Muitos dos princípios constitucionais e das Teorias de Estado que se estuda na Academia ainda estão longe de serem atendidos de forma plena e eficaz.

Em uma situação desta, que afeta a todo o mercado e virtualmente toda a indústria brasileira, o cenário esperado, apesar das discordâncias entre Fisco e contribuintes, era o de que a Administração trabalhasse para garantir o maior grau de segurança jurídica possível para todos, até para evitar especulações, aumento do risco de mercado, maior previsibilidade econômica e estímulo ao empreendedorismo no país.

Como visto, porém, não foi essa a postura adotada pelos órgãos da Administração Pública Federal, seja em juízo ou fora dele neste tema.

Dizemos isso porque o aparente avanço do Parecer SEI nº 7.698/2021, que finalmente reconhecia o mérito em favor dos contribuintes e orientada os órgãos federais, foi logo ofuscado pelo Parecer COSIT nº 10, de 01/07/2021, editado pela RFB sobre o mesmo tema, e que, apesar de reconhecer que o ICMS destacado deveria ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS, entendeu que "Na apuração dos créditos da Contribuição para o PIS/Pasep  [e COFINS] a compensar, o valor do ICMS destacado na Nota Fiscal deve ser excluído da base de cálculo, visto que não compõe o preço da mercadoria".

Assim, a RFB entendeu que nos créditos de não-cumulatividade do PIS/COFINS a serem apropriados pelos contribuintes, deveria também ser excluído o ICMS da base de apuração, sob o argumento de que ele não comporia preço da mercadoria.

Novamente a RFB parece distorcer o que se decidiu no STF, já que a decisão nunca decretou que o ICMS não comporia preço da mercadoria/serviço, mas sim que essa parcela não representaria faturamento ou receita do contribuinte.

Ou seja, o ICMS compõe sim o preço do produto/serviço, por expressa determinação legal, mas ele não é de titularidade do contribuinte, mas sim do Estado. Isso não significa que o adquirente não pague por ele e, assim, tenha direito ao crédito de PIS/COFINS sobre tal montante, já que as Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 estabelecem que o crédito das contribuições deve ser calculado sobre o valor dos insumos e bens adquiridos, no que se inclui o ICMS.

Mais um alerta se acendeu para os contribuintes, que pareciam ter de enfrentar uma nova onde de discussões judiciais e administrativas sobre esse tema.

E aqui chamamos a atenção para o comportamento do principal órgão tributário do país, que ao invés de adotar uma postura que trouxesse segurança aos contribuintes após longos anos de incerteza, traz, de forma abrupta, outro tema que nunca havia sido debatido ao longo de todos esses anos, por um entendimento que contrariava inclusive o posicionamento e comportamento da própria RFB sobre o assunto e que nunca antes questionara o creditamento do PIS/COFINS sob esse viés.

Esse Parecer foi submetido à apreciação da PGFN, que, por seu turno, e de forma exemplar – reconhece-se – editou o Parecer SEI 12.943, de 27/08/2021, no qual expressamente que "a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o

PIS/Pasep e da Cofins, tal como definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema n. 69, não autoriza a extensão à apuração dos créditos dessas contribuições, em razão da legislação de regência, em especial dos arts. 2º e 3º da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2004".

Ainda, o Parecer reconhece que qualquer alteração nesse sentido dependeria de ato normativo próprio, para que seja alterada a atual estrutura de creditamento de tais tributos.

Isso ainda foi reiterado no Parecer SEI 14.483/2021/ME, de 23/09/2021, no qual a PGFN esclareceu alguns pontos do julgamento do STF, ressaltando novamente que tal julgamento não autoriza a alteração dos critérios de creditamento do PIS/COFINS.

Outra conclusão digna de nota de tal Parecer é o de que "As alterações realizadas pela Lei nº 12.973/2014 no Decreto-lei nº 1.598/1977, acerca da definição do que compõe a renda brut a, não impactam no resultado do julgamento do Tema nº 69", afastando, também, outro temor dos contribuintes, de que a Fazenda pudesse trazer novas levas de discussão com esse fundamento.

Como se verifica, a tese da exclusão do ICMS da base do PIS/COFINS é antiga e recheada de detalhes e peculiaridades.

Cada um desses detalhes comporta ainda intensas discussões, mas, no quadro geral, aparentemente caminha-se para um encerramento do tema principal em discussão, embora ainda se possa esperar alguns anos de possíveis discussões, especialmente em relação ao cálculo e uso dos créditos pelos contribuintes.

Cenas para os próximos capítulos.

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