Aqui você vai encontrar:

– A discussão

– O que é a SELIC? Indenização ou lucros cessantes?

– Tema 962 de repercussão geral

– Modulação de efeitos

A discussão

Como toda indisponibilidade financeira, o pagamento indevido de um tributo prejudica o contribuinte, pois o montante recolhido a título de tributo fica indisponível para seu uso.

Ao obter a recuperação de um pagamento indevido, o valor é restituído com a devida atualização, como forma de reparar o prejuízo sofrido em razão da indisponibilidade do dinheiro no tempo.

Na esfera federal, a restituição de tributos é hoje feita com a atualização pela Taxa SELIC (assim como a cobrança de tributos em atraso fica também sujeita à mesma Taxa e, claro, penalidades).

A discussão aqui tratada, assim, diz respeito à tributação desse valor pelo Imposto de Renda e pela Contribuição Social sobre Lucro Líquido (IRPJ/CSLL).

A Receita Federal do Brasil possui o entendimento já antigo (Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 25/2003), no sentido de que “os juros incidentes sobre o indébito tributário recuperado é receita nova e, sobre ela, incidem o IRPJ, a CSLL, a Cofins e a Contribuição para o PIS/Pasep” (artigo 3º).

Na prática, o que se vê, porém, é que depois de anos de discussão administrativa e/ou judicial, o contribuinte, ao finalmente recuperar valores que foram indevidamente recolhidos a título de tributos, vê parte dos juros que deveriam indenizá-lo e compensá-lo por todo o período sem a disponibilidade financeira do valor sendo tributado pelo próprio Ente que recebeu o valor indevidamente pago.

Até por uma questão de política ou justiça fiscal, essa estrutura não parece fazer sentido, mas a impossibilidade de tributação da SELIC também possui amparo jurídico e que finalmente restou reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento com repercussão geral (efeitos vinculantes para demais instâncias do Judiciário).

O que é a SELIC? Indenização ou lucros cessantes?

A partir da Lei nº 9.065/1995, os débitos de tributos federais passaram a ser atualizados pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC, que, como se sabe é a taxa básica de juros no Brasil, divulgada pelo Banco Central.

Apesar de ser chamada de taxa de juros a realidade é que a sua composição é complexa e toma como base a média das operações de empréstimos em um dia entre instituições financeiras que usem títulos públicos federais como garantia. Nessa complexa composição, considera-se que a referida taxa acaba, também, capturando os reflexos da correção monetária do período.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica no sentido de que a aplicação da taxa SELIC exclui a aplicação de qualquer outro índice de correção monetária ou de juros, pois ambos os fatores já estariam de certa forma indexados na SELIC.

A grande questão, então, é saber qual a natureza desses chamados juros, isto é, saber se eles possuem natureza de lucros cessantes, ou se possuem natureza de indenização.

A Fazenda defende que os juros possuem natureza de lucros cessantes, pois teriam o objetivo de remunerar o dinheiro no tempo, representando o ganho que o contribuinte poderia ter tido se estivesse em posse do dinheiro. Esse entendimento, por muito tempo, foi validado pelo Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.138.695/SC, em recurso repetitivo).

A Corte Superior, assim, entendia que a natureza jurídica dos juros é de lucro cessante e representaria acréscimo patrimonial, sujeito à tributação do IRPJ/CSLL.

Os contribuintes, por sua vez, argumentam que os juros SELIC, em verdade, visam indenizar o contribuinte pelos danos causados em razão da indisponibilidade dos recursos.

Em sendo uma indenização, não há acréscimo patrimonial e, portanto, não haveria que se falar em tributação pelo IRPJ/CSLL.

A linha argumentativa parece tênue, especialmente se considerado que uma indenização apenas não representa acréscimo se houver demonstração do prejuízo patrimonial sofrido a ser reparado pela indenização.

Esses aspectos foram enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal, no recente julgamento do tema de repercussão geral 962.

Tema 962 de repercussão geral

Em setembro de 2021, o STF, por unanimidade, concluiu que os juros SELIC devidos na recuperação de tributos não estão sujeitos ao IRPJ/CSLL, fixando a seguinte tese: “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”.

Nos termos do voto do relator, Ministro Dias Toffoli, o Tribunal chegou a tal conclusão, pelo seguinte raciocínio:

  • Considerou a natureza dúplice da taxa SELIC, de juros e atualização monetária.
  • Avaliou que, no Direito Privado, os juros moratórios designam indenização pelo atraso no adimplemento de uma dívida, representando um ato ilícito imputado ao devedor.
  • Considerou que a legislação tributária não afasta ou altera tal conceito, apontando que as referências a juros de mora são equiparadas a “outras indenizações”.

Nessa linha, concluiu que os juros possuem, em verdade, a função de recompor efetivas perdas e decréscimos patrimoniais e, portanto, não poderiam se sujeitar ao IRPJ/CSLL.

É importante notar que o voto abordou expressamente o entendimento do STJ sobre o tema, o que reforça que o STF efetivamente acabou superando o entendimento adotado por aquele outro tribunal.

Assim, o Ministro Relator tomou em consideração os impactos que a indisponibilidade financeira acarreta ao contribuinte, que se vê sujeito a encargos e outros prejuízos ao buscar vias alternativas de financiamento.

Também se considerou que ainda que se possa dizer que parte da SELIC represente uma compensação por lucros cessantes, ela invariavelmente também conterá uma indenização por danos emergentes, ainda que de forma parcial, sendo que a impossibilidade de desmembramento dessas parcelas tornaria impossível a sua tributação, de todo modo.

Nesses termos, o STF efetivamente superou o entendimento que vinha se formando no Judiciário, e afastou a tributação do IRPJ/CSLL sobre a SELIC.

Modulação de efeitos

Por fim, como tem sido cada vez mais comum em temas tributários, o STF também recentemente analisou o pedido de modulação de efeitos de tal decisão.

Em maio de 2022, assim, também por unanimidade, o STF acolheu em parte os embargos de declaração da Fazenda, para:

  • Esclarecer que o precedente trataria apenas da taxa SELIC, na repetição de indébito, incluindo por meio de compensação, seja na esfera administrativa, seja na judicial; e,
  • Modular os efeitos da decisão, para que ela produza efeitos apenas a partir de 30/09/2021 (data da publicação da ata do julgamento do mérito), ressalvadas, as ações ajuizadas até 17/09/2021 (início do julgamento do mérito); e fatos geradores ocorridos anteriormente a 30/09/2021, em relação aos quais não tenha havido pagamento da IRPJ/CSLL.

Na prática, portanto, apenas contribuintes que ajuizaram ação antes de 17/09/2021 poderão recuperar os valores de IRPJ/CSLL pagos sobre a SELIC antes dessa data (observada a prescrição de cada ação).

Por outro lado, contribuintes que ainda não pagaram o IRPJ/CSLL sobre SELIC, não serão obrigados a fazer tal recolhimento, ainda que não tenham ajuizado ação.

Essa estrutura de modulação (vista também na discussão sobre o ICMS sobre software) é incomum e destoa das demais modulações aplicadas pelo STF e, na prática, acaba prestigiando o contribuinte inadimplente e prejudicando o contribuinte que se manteve em dia com suas obrigações tributárias.

Os efeitos desse tipo de modulação ainda precisarão ser analisados com o tempo.

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