STJ DECIDE QUE JUIZ NÃO PODE CONVERTER PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA SEM PRÉVIO REQUERIMENTO DAS PARTES OU DA AUTORIDADE COMPETENTE, AINDA QUE NÃO SEJA REALIZADA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), que reúne a Quinta e Sexta Turma do Tribunal, pacificou entendimento segundo o qual o juiz não pode converter a prisão em flagrante em preventiva sem prévio requerimento das partes, no decorrer de uma ação penal, ou sem representação do delegado de polícia ou requerimento do Ministério Público, no curso de um inquérito policial.

No caso concreto, um indivíduo foi preso em flagrante por tráfico de drogas. No entanto, teve seu flagrante convertido em prisão preventiva sem qualquer requerimento prévio da autoridade policial ou do Ministério Público. Assim, após ter Habeas Corpus denegado no Tribunal de Justiça de Goiás, a defesa do investigado apresentou Recurso Ordinário Constitucional ao STJ (RHC nº 131.263/GO) requerendo a revogação da prisão preventiva.

Segundo a defesa do investigado, a Lei nº 13.964/2019 – amplamente conhecida como "Lei Anticrime" -, ao alterar a redação do artigo 311 do Código de Processo Penal, passou a prever que somente "caberá prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente [de acusação], ou por representação da autoridade policial".

Referido entendimento prevalecia na Quinta Turma do STJ (HC nº 590.039/GO) e na 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (HC nº 188.888/MG). Por outro lado, na Sexta Turma do STJ prevalecia o entendimento de que era possível a conversão da prisão em flagrante em preventiva, sem prévio requerimento das partes ou da autoridade policial, uma vez que o artigo 310, inciso II, do Código de Processo Penal não havia sido alterado pela Lei Anticrime. Isso possibilitaria ao juiz a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva desde que estivessem presentes os requisitos previstos no artigo 312 do mesmo diploma legal, e fossem insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (HC nº 583.995/MG).

A pacificação do entendimento pelo STJ é salutar por ao menos duas razões. Em primeiro lugar, a decisão dará maior segurança jurídica aos investigados e réus, uma vez que Tribunais brasileiros aplicavam os variados entendimentos conforme sua conveniência e motivação. Em segundo lugar – e não menos importante -, o STJ deu um passo importante na consolidação do sistema acusatório no processo penal brasileiro, previsto no artigo 3º-A, do Código de Processo Penal, segundo o qual o juiz deve ocupar uma posição de imparcialidade e inércia ao longo da investigação e da ação penal, de modo que somente poderá decidir sobre prisões, produção de provas e medidas cautelares se provocado por uma das partes.

STJ FIXA CRITÉRIOS PARA CITAÇÃO DE DENUNCIADOS POR APLICATIVOS DE MENSAGENS

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") fixou critérios para validar citações de pessoas denunciadas por meio de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp. No caso concreto, uma pessoa denunciada por violência doméstica contra sua ex-companheira foi citada por oficial de justiça por meio de aplicativos de mensagens instantâneas.

Inconformada com a citação, a defesa do réu impetrou Habeas Corpus perante o STJ (HC nº 641.877/DF), após ter uma primeira ordem de Habeas Corpus denegada no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Por ocasião da segunda impetração, a defesa sustentou que a Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, veda expressamente em seu artigo 6º, sem qualquer ressalva, a realização de citações por meios eletrônicos no processo criminal.

Também foi arguido que a Portaria GC nº 155/2020, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que, na época, admitia citações por meio eletrônico em razão da pandemia de Covid-19, era incompatível com o processo penal e que não houve qualquer diligência para a confirmação dos dados pessoais do acusado, tampouco qualquer documento escrito no qual se poderia verificar a resposta do citando ao oficial de justiça. Dessa forma, a defesa requereu o reconhecimento da nulidade da citação.

O Relator do caso, Ministro Ribeiro Dantas, aduziu que há vários óbices para a citação de denunciados por meio de aplicativos de mensagens instantâneas, tal como a competência privativa da União para legislar sobre processo, o que inviabilizaria a aplicação da mencionada Portaria GC nº 155/2020. Outro argumento relevante seria a ausência de previsão legal sobre tal modalidade de citação, o que possivelmente violaria os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

No entanto, o Ministro sustentou que não é possível reconhecer nulidades sem a demonstração de prejuízo e que é possível que os aplicativos de mensagens instantâneas sejam utilizados para citação na esfera penal, desde que sejam adotados cuidados pelo oficial de justiça para se comprovar a autenticidade e a identidade do destinatário das mensagens.

Dessa forma, o Ministro fixou que é possível presumir a validade da citação por meio de aplicativos, caso i) se comprove a autenticidade do número de telefone do acusado, ii) exista confirmação escrita de sua citação e, iii) exista foto individual do citando no aplicativo. Do mesmo modo, o Ministro Ribeiro Dantas não excluiu a possibilidade de o acusado citado, em momento posterior, conseguir comprovar que a citação não ocorreu de modo válido.

Apesar dos demais Ministros da Quinta Turma do STJ terem acompanhado o voto do Ministro Ribeiro Dantas, a possibilidade da citação de pessoas por meio de aplicativos de mensagens instantâneas se mostra problemática.

Isso porque, apesar se vivenciar uma situação excepcional com a pandemia do Covid-19, referida modalidade de citação não encontra qualquer previsão legal, inclusive para momentos de crise.

Além disso, a citação pessoal por meio de oficial de justiça, regra no processo penal, tem o condão de garantir que o citando tenha tomado ciência inequívoca de que está sendo processado criminalmente e por quais fatos, o que não é possível garantir em uma citação eletrônica, por mais que se exija uma confirmação da referida citação por escrito. Trata-se, portanto, de diligência temerária, sob risco de importantes violações aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.

SEXTA TURMA DO STJ RESTRINGE RETROATIVIDADE DO ANPP ATÉ O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu ser possível a retroatividade do acordo de não persecução penal ("ANPP"), instituto característico da justiça penal negocial introduzido pela Lei nº 13.964/2019 – também conhecida como "Lei Anticrime" -, somente até o recebimento da denúncia.

A decisão foi proferida no julgamento de um Habeas Corpus em que uma pessoa condenada por porte ilegal de arma de fogo requisitava a anulação do acórdão que manteve sua condenação em sede de apelação, em vista do cabimento e da possibilidade de retroatividade do ANPP (HC nº 628.647/SC).

Para a Ministra Relatora do caso, Laurita Vaz, ainda que se deva reconhecer a retroatividade do ANPP, é necessário que não se perca de vista a essência da inovação legislativa, bem como o momento processual adequado para a sua incidência. Assim, se o ANPP tem a finalidade de evitar o início de um processo penal, ele já não cumpriria a sua finalidade para processos em andamento tampouco para situações em que já exista condenação. A Ministra foi acompanhada pela maioria dos Ministros da Sexta Turma.

Referida decisão é de suma importância, pois representa um passo em direção à unificação do entendimento sobre os limites da retroatividade do ANPP, tema este que vem sendo objeto de intensa divergência jurisprudencial e doutrinária. A esse respeito, até o julgamento do referido Habeas Corpus, a Sexta Turma do STJ entendia que os efeitos do ANPP poderiam retroagir para todas as ações penais até o trânsito em julgado (AgRg no HC nº 575.395/RN).

Em posição divergente, a Quinta Turma do STJ (AgRg no REsp nº 1.860.770/SP) e a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal ("STF") possuem o entendimento de que os efeitos do ANPP não poderiam retroagir para ações penais em curso (HC nº 186.289/RS).

Apesar da aproximação de entendimentos, ainda está pendente de julgamento, pelo plenário do STF, do Habeas Corpus nº 185.913/DF, oportunidade em que serão discutidas questões primordiais para a resolução das divergências a respeito do mencionado instituto, tais como (i) a natureza jurídica do ANPP, (ii) se o ANPP pode ser oferecido para processos já em curso quando da vigência da Lei Anticrime, e (iii) a possibilidade de oferecimento do ANPP mesmo em casos em que o denunciado não tenha confessado o crime durante a investigação ou ação penal.

Em que pese a relevância dos argumentos trazidos pela Sexta Turma do STJ no julgamento do Habeas Corpus nº 628.647/SC e a importância da unificação de entendimentos para a segurança jurídica, espera-se que o STF, no julgamento do Habeas Corpus nº 185.913/DF, reverta o entendimento até o momento firmado de modo a permitir que o ANPP seja aplicado para processos já em curso ou até transitados em julgado.

Isso porque, para além de sua finalidade de evitar processos criminais, o ANPP tem como objetivo central despenalizar e evitar o encarceramento desnecessário. Dessa forma, não há razão para limitar a aplicação do instituto até o recebimento da denúncia sob o pretexto de que já não mais estaria observando a essência do ANPP. Caso contrário, estaria, em verdade, limitando a potencialidade do instituto em colaborar para os problemas enfrentados pela justiça criminal e o sistema carcerário brasileiro.

TERCEIRA SEÇÃO DO STJ FIXA TESE DE QUE O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO É PERMANENTE QUANDO PRATICADO NA MODALIDADE DE OCULTAÇÃO

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), que reúne a Quinta e Sexta Turma do tribunal, fixou a tese segundo a qual "o crime de lavagem de bens, direitos ou valores, quando praticado na modalidade típica de ocultar, é permanente, protraindo-se sua execução até que os objetos materiais do branqueamento se tornem conhecidos".

O tribunal levou em consideração uma série de julgados das duas turmas do STJ que caminhavam no mesmo sentido, bem como o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (AP 863/SP, julgada em 23.05.2017).

Acredita-se que a real intenção da tese fixada pelo STJ é evitar a prescrição de uma ocultação de bens ou valores que somente venha a ser descoberta anos depois. No entanto, o entendimento do Tribunal acaba, em verdade, conduzindo a pelo menos dois problemas teóricos e práticos para a realidade do judiciário brasileiro: i) o conceito de crime permanente em contraste com o conceito de crime instantâneo de efeitos permanentes, e ii) a possibilidade de prisões em flagrante mesmo quando o ato de ocultação se deu anos antes de sua descoberta.

Em relação ao primeiro problema, a ocultação costuma ser entendida como a primeira fase da lavagem, quando o capital está próximo e ligado ao autor e à infração. Nesse sentido, a ocultação pode ser caracterizada como um ato que se consuma com o efetivo distanciamento dos valores ou bens de sua origem ilícita, não sendo necessário o acompanhamento ou a manutenção do seu mascaramento.

Justamente por isso a doutrina dominante entende que essa modalidade de lavagem de dinheiro caracteriza-se como crime instantâneo com efeitos permanentes, em que a consumação ocorre no momento da ocultação, mas seus efeitos perduram no tempo – sobretudo quando a manutenção da ocultação não exigir qualquer esforço ou vigilância pelo agente.

Isso significa dizer que é equivocado o entendimento de que o delito de lavagem de dinheiro em sua modalidade de ocultação seria permanente, pois revela a utilização equivocada de uma classificação dogmática de crimes para alcançar a punição do agente a qualquer momento, uma vez que a prescrição, nesses casos, somente começa a contar a partir da cessação do mascaramento.

O segundo problema – e não menos grave -, é que a classificação equivocada do crime de lavagem na modalidade ocultação permitiria, em tese, a prisão em flagrante do agente que ocultou os valores e bens mesmo depois de anos ou décadas da conduta de ocultar, mesmo que (i) não se tenha mais qualquer ingerência sobre os atos de ocultação ou subsequentes a ela, quais sejam, a dissimulação ou integração e (ii) que não se tenha mais qualquer ingerência sobre os bens ou valores ocultados.

Dessa forma, ainda que o STJ tenha consolidado a tese da permanência do crime de lavagem de dinheiro na modalidade ocultação, espera-se que a doutrina e a própria jurisprudência avancem para rever o equivocado entendimento.

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